Entrevista com a influenciadora digital Joyce Salvador. Co-autora do livro: “Mães Pretas: Maternidade Solo e Dororidade”,
Joyce construiu um público fiel e empático ao fazer de seu instagram um “diário de bordo”, onde fala das dificuldades da maternidade preta. Ela é uma das embaixadoras do Clubinho Preto, um clube com conteúdo educativo e antirracista para crianças e tem uma participação especial no livro “Da cor que eu sou”, de Andressa Reis.
Como foi a sua infância?
Joyce: Eu cresci em um quintal de família onde moro até hoje, lembro de brincar muito com meus irmãos e primos. Meu vô e minha vó cuidavam de mim e dos meus irmãos, enquanto minha mãe trabalhava em diversos empregos.
Minha infância foi marcada por situações e traumas que hoje eu tento impedir que se repitam na infância dos meus filhos, todo dia reconheço que estou “rompendo ciclos”.
Como você teve esse impulso de criar um perfil sobre maternidade
preta? Sua infância teve influência nisso?
Joyce: Eu posso chamar esse processo de tudo, menos de impulso. Demorei muito pra conseguir compreender que eu era uma criadora de conteúdo, principalmente pela falta de representatividade. Meu perfil era um lugar de desabafo, um “diário de bordo” onde eu registrava o dia-a-dia e que acabou atraindo pessoas que se identificavam com a minha falta de identificação na maternidade pré estabelecida.
Eu nunca acreditei que ser mãe é “padecer no paraíso” e foi expondo a sobrecarga materna (sobretudo da maternidade negra) que comecei a me entender como criadora de conteúdo. A minha infância, a minha criança interior estão muito ligadas a isso, a relação que tinha com a minha mãe e a forma que eu enxergava ela enquanto criança…
Tudo isso reverbera em conteúdos para o meu perfil.
Como era a questão da representatividade da mulher preta quando você era menor?
Joyce: Eu vivia em uma dualidade muito grande, já que na minha casa as mulheres tinham um lugar de destaque (sou filha de mãe solo), mas sempre senti a falta de representatividade nas grandes mídias. Hoje em dia eu reconheço e tento resgatar e homenagear minha vó e minha mãe que eram mulheres muito sábias, mas que por não atender ao padrão das intelectualidades tiveram seu conhecimento descartado e desvalorizado.
Qual impacto que a maternidade teve na sua vida?
Joyce: Gosto de dizer que depois da maternidade eu nunca mais fui a
mesma, e ainda bem, a maternidade me faz querer ser a melhor versão de mim mesma. Foi através da maternidade que eu alcancei um lugar de pertencimento, nunca antes explorado. Eu sempre quis ser mãe principalmente por ser uma mulher preta e pobre, na minha família não tinham outras áreas e realizações que eu poderia explorar ou desejar.
A única coisa que minha vó, minha mãe, minhas tias eram, e que eu também poderia ser, era ser mãe. Hoje em dia mesmo já conseguindo vencer esse sentimento e tendo sonhos, planos para outras áreas da minha vida. Sigo reconhecendo que a minha mãe morreu e segue sendo minha mãe.
E eu sempre serei mãe de Ágatha e Akim.
Pra quem você faz conteúdo?
Joyce: Meu conteúdo é para todas as pessoas que acreditam que vamos mudar o amanhã, fazendo hoje. As crianças são o futuro, mas elas já estão aqui no presente! E é através da educação que tento conscientizar pessoas que são responsáveis ou rede de apoio direta de crianças, das estratégias que podemos tomar para combater as diversas injustiças sociais e desigualdade de gênero e raça.
Na sua família tem alguma história de maternidade solo?
Joyce: Sim. Minha mãe foi mãe solo, minha tia e também tenho primas. Entretanto eu sou a primeira que se descreve assim, e que fala sobre publicamente.
Você se considera uma blogueira?
Joyce: É curioso, pois no início eu não me descrevia assim. Mas hoje em dia eu entendo que mesmo remando contra a maré e abordando os temas de uma forma totalmente diferente, eu sigo usando as plataformas digitais, então tudo bem ser chamada assim.
É patrocinada por algum empresa? Se sim, fale sobre seus patrocínios:
Joyce: Já fiz trabalhos publicitários com diversas marcas (as famosas publis). e atualmente sou patrocinada pela AutoestimaDiva. É um projeto que me impulsiona e que investe em mim das mais diversas formas.
Como começou a sua trajetória como escritora? Pretende explorar ainda mais isso? Você considera que seus traços artísticos inspiram Ágatha?
Joyce: Eu escrevo desde a infância, lembro que quando pequena era muito silenciada e incompreendida, a escrita sempre foi meu refúgio. Com certeza pretendo explorar mais isso e experimentar todas as possibilidades que a escrita me proporcionar. Ágatha tem gostos artísticos muito específicos e até diferentes dos meus. Eu não tenho certeza se inspiro ela, mas certamente apoio e incentivo a arte dela desde sempre.
Pra quem foi escrito o livro Mães Pretas?
Joyce: Para as nossas ancestrais, para as mais velhas, para as que vieram antes e as que viram depois. Esse é o primeiro livro brasileiro escrito por 37 mulheres falando sobre maternidade solo, foi um projeto coletivo que reverberou em uma conquista histórica.
Por que você chama o desenvolvimento de Akim de atípico?
Joyce: Akim tem diversos comportamentos que fogem do esperado para a idade dele, eu estou investindo alguns transtornos mas como o único formato de atendimento que temos acesso é o SUS, tudo é muito complicado.
Como surgiu o clubinho preto?
Joyce: O Clubinho Preto é um clube de assinatura que oferece conteúdo educativo e de cultura antirracista para crianças, nós somos embaixadores do projeto.
Quem são suas inspirações? São as mesmas de quando você era
criança?
Joyce: Hoje me inspiro em mulheres que tenham a realidade parecida com a minha, Andressa Reis é uma delas, tive o prazer de participar do livro dela Da cor que eu sou, onde escrevi uma carta para os pais de crianças pretas.
Têm desenvolvido algum projeto atualmente?
Joyce: Brinco que o único projeto que participo no momento, é o de criar crianças revolucionárias. Apesar desse trabalho ser muito desvalorizado e até invisibilizado , esse é o projeto mais importante da minha vida.
Faço parte de coletivos que me ajudam a fomentar esse processo, como Afromamas e Mães pela diversidade.
Você esperava ter a influência que tem hoje em dia?
Joyce: Não mesmo, principalmente por sempre ter opiniões muito impopulares. Então eu sempre fui a pessoa que discordava demais das questões pré estabelecidas, jamais imaginei que teriam tantas pessoas dispostas a repensar essas questões e promover mudanças junto comigo.
Meu maior compromisso é usar dessa influência com responsável.
Como é se relacionar amorosamente sendo mãe solo?
Joyce: É uma missão quase impossível, eu estou sempre cansada e sobrecarregada. Tentando lidar com o meu relacionamento com os meus filhos, e ainda tendo que arcar com os sentimentos que reverberam dos relacionamentos das crianças com os pais delas.
Então é muito difícil conseguir tempo e energia para investir em uma relação amorosa, eu já ensaiei diversas vezes exigir isso de mim mesma. Mas ainda não consegui, estou no processo.
Quais foram as principais experiências que formaram a Joyce de hoje?
Joyce: Infelizmente as experiências que mais me marcaram foram as vezes em que estive em relacionamentos abusivos, onde já sofri diversas formas de violência.
Até a minha maternidade foi atravessada por episódios de violência obstétrica e racismo. Mas eu sempre prefiro focar nas vezes que eu me levantei, me reinventei e fui resiliente.
Entrevistada: Joyce Salvador.
Redes sociais: https://www.instagram.com/joyceksalvador/
Entrevistadora: Jade Albuquerque de Lima.
Redes sociais: https://www.instagram.com/jade_albq/
Redes sociais do fotógrafo: https://www.instagram.com/victorvieiraph/