Nas últimas semanas, acompanhamos por meio da mídia a resposta por moradores da região intitulados por “justiceiros”. Face ao aumento de furtos no bairro de Copacabana , na zona Sul do Rio de Janeiro, estes grupos têm se articulado para atacarem pessoas que eles consideram suspeitas de cometerem crimes na região.
Pelas redes sociais , estes auto intitulados “Justiceiros” têm circulado no bairro de Copacabana com soco inglês , roupa preta , escolta armada e até lista de presença.
As atitudes destes grupos têm dividido opiniões:
A conselheira tutelar Patrícia Félix, em postagem no seu Instagram, revela que “tem uma galera equivocada de mau caráter compartilhando imagens e publicações de adolescentes, ou crianças cometendo ato infracional na Zona Sul do Rio de Janeiro, para justificar ação criminosa justiceira, contra pobres em situação de rua ou não. É crime”.
Conselheira Tutelar mais votada do Estado do Rio, Patrícia lembrou o artigo 143 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA): É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito às crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.
Mas teve gente de opinião contrária, como uma internauta que disse: “Deixa os rapazes fazerem o trabalho da higienização social, não atrapalhem”, em publicação de página do Instagram que relatou o momento em que vive o Bairro de Copacabana.
“São filhos do bolsa família”, disse a atriz Betty Faria em uma de suas redes sociais sobre jovens que aparecem roubando em vídeo. Curiosamente em 2019, seu filho João de Faria Daniel foi investigado por tráfico de drogas.
O momento de insegurança em Copacabana também despertou medidas divergentes do parlamentar Anderson Moraes e do Secretário de Segurança do Rio de Janeiro Victor Santos. Enquanto o Deputado Bolsonarista se pronunciou apresentando à Assembleia Legislativa um projeto de lei intitulado “Programa Guardião da Segurança Pública, para legalizar as milícias de justiceiros no Rio de Janeiro, o Secretário de Segurança do Rio, afirmou que os grupos de justiceiros que prometem atuar contra a ação de assaltantes em Copacabana são criminosos.
Em entrevista ao grupo i, da Globo News , o Secretário afirmou:
“Justiceiro é o berço da milícia. É exatamente isso, um grupo que se acha acima do bem e do mal, que se acha no direito de fazer justiça com as próprias mãos. E antes da milícia, nós tínhamos os grupos de extermínio. Praticam crimes com o objetivo de criar crimes. Na verdade, são todos eles criminosos. O justiceiro é criminoso”, concluiu o Secretário parafraseando o artigo 345 do Código Penal Brasileiro, que prevê crime sobre quem fizer justiça com as próprias mãos.
O que define ser suspeito no Brasil ?
Desde o surgimento dos primeiros vídeos em que os grupos armados justiceiros decretavam quem era suspeito dos crimes praticados em Copacabana, muitos alertaram sobre as pessoas que seriam injustiçadas pela definição de suspeito no Brasil. Corpos pretos condicionados pelo racismo, lidos com o famoso perfilamento racial, condicionados aos algoritmos e mediocremente lidos como se por serem maioria nos presídios, logo são perigosos. Uma análise perigosa imposta pela branquitude que coloca qualquer corpo negro como perigoso, o alvo a ser parado. Como menciona Milton Santos em seu artigo “ Ser negro no Brasil Hoje” , ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros e assim tranquilamente comporta.
Embasados sobre este viés , o grupo dificilmente abordará pessoas como o morador de Botafogo Igor , homem branco conhecido como “Lorão”. Igor ficou conhecido em 2021 quando roubou uma bicicleta elétrica de um casal que estava presa em frente ao Shopping Leblon, na zona sul do Rio. Até aquele momento o autor do furto já tinha 28 passagens pela polícia e já foi preso outras 7 vezes. Na época mesmo com estes números, dificilmente pessoas como Igor seriam enquadradas como suspeitas, tanto que na época para o casal furtado o real suspeito, que foi abordado por eles foi Matheus Nunes, homem negro professor de Surf. Após o jovem ser surpreendido pelo casal o acusando de roubo, quando na verdade ele esperava sua namorada, o mesmo registrou um boletim de ocorrência contra o casal pela acusação.
“Deixa os rapazes fazerem o trabalho da higienização social, não atrapalhem”.
Higienização social é a exclusão de setores sociais que são considerados problemas, indesejados, os não consumidores. Este processo estruturalmente acontece de diversas formas com a população negra no Brasil, sendo um deles personificado através dos atos dos grupos justiceiros através da violência contra o dito suspeito. Uma segregação mascarada de “justiça com as próprias mãos” , no fim servindo apenas para alimentar o sabor sádico racista. O que resulta no medo do acesso a espaços públicos a que todos têm direito. O direito de ir e vir para um jovem negro está limitado. Em redes sociais pessoas têm demonstrado preocupação pela mobilidade de seus familiares, devido este perigoso jogo racista de determinar quem é suspeito ou não, apenas pela cor da pele, “agora eu pergunto a pessoa branca: já te chamaram de porca por ter trança? Já desconfiaram da sua ética por seus traços? Já foi impedida de ir e vir pela cor da sua pele? Você já teve medo do seu pai não voltar para casa por ser confundido com um ladrão por ser negro?…” , responde internauta em rede social sobre o momento discutido sobre Copacabana. Esta naturalização do racismo, muitas vezes incentivada midiaticamente por programas que prezam o espetáculo da violência urbana, tem deixado um grande rastro com inocentes. Como foi com o vendedor ambulante Matheus Almeida, ele foi agredido após ser confundido na última quarta-feira (06/12) em Copacabana com um assaltante. O caso aconteceu um dia depois da divulgação dos vídeos divulgados pelos justiceiros.
A agressão aconteceu em um restaurante de Copacabana. Na ocasião, Matheus fazia a venda de balas para um cliente no local, quando o garçom do restaurante o atacou.
Em entrevista para o RJ2, emocionado, Matheus falou sobre a agressão que sofreu sem qualquer justificativa, “ Sou pai de família, trabalho honestamente. Sou trabalhador, todo mundo sabe. Olha como eu me visto, não sou mendigo, não sou crakudo. Eu saí lá de Santa Cruz, tenho uma filha, uma esposa. Não preciso roubar nada de ninguém. Meu negócio é trabalhar”.
Negros não podem ser impedidos de circular e permanecer em espaços públicos, mas até o momento, enquanto estes grupos não forem penalizadas severamente pelos seus atos arbitrários, resguardem-se, pois a violência causada por estes grupos milicianos não vai causar revolta.
Pedro Vinícius Lobo
Jornalista