No dia 28 de setembro, Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto, ocorreu a mobilização nacional pela descriminalização e legalização do aborto seguro no Brasil e o Portal Favelas esteve presente para conversar com os movimentos sociais e realizar um mapeamento de como isso influencia diretamente as mulheres faveladas e periféricas.

O Aborto no Brasil e no mundo versus Criminalização sobre determinados grupos de mulheres
O aborto no Brasil e no mundo é um tema complexo e controverso e envolve questões como: violência obstétrica, raça, gênero, território, educação sexual, abandono paterno, fundamentalismo, projeto de vida e planejamento familiar. Levantando discussões inflamadas entre apoiadores e opositores.
O aborto é legalizado em 4 países na América do sul e o outros permitem apenas em caso de estupro ou risco para a gestante. No caso do Brasil, o Código Penal prevê no artigo 124 detenção de um a três anos para a mulher que aborta ou que é cúmplice de outra. Nos artigos 125 e 126, também pune quem realiza o procedimento, seja com ou sem consentimento da gestante – isso inclui médicos.
Em 2018 a Defensoria Pública do Rio de Janeiro realizou um relatório( Entre a prisão e a morte- Quem são as mulheres criminalizadas pela prática do aborto no Rio de Janeiro), e identificou o perfil das mulheres processadas por abortos no Rio de Janeiro, e buscaram demonstrar o impacto desproporcional que a criminalização da prática do aborto promove sobre determinados grupos de mulheres, comprovando assim que 60% das mulheres processadas são negras e 40% brancas.
Como funciona a Legislação sobre o Aborto no Brasil
A legislação atual basileira permite o aborto apenas em casos de estupro, risco de vida para a mãe ou anencefalia do feto. No entanto, muitas mulheres enfrentam dificuldades para acessar o procedimento mesmo nessas situações, devido à falta de informação, ao estigma social e à falta de estrutura adequada nos serviços de saúde, onde uma pesquisa, financiada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, revelou que, entre 2013 e 2015, mais da metade das brasileiras que procuraram o aborto legal não foram atendidas ou foram tratadas de forma hostil.
A legalização do aborto até a 12ª semana de gravidez poderia garantir o direito das mulheres de decidirem sobre seu próprio corpo e evitar mortes e complicações decorrentes de abortos inseguros. E uma análise a partir de informações do Sistema Único de Saúde (SUS) lançou o alerta que mulheres negras, pobres, periféricas e indígenas são as que mais morrem devido ao abortar no país.

A vulnerabilidade na ausência dos dados oficiais
Segundo um estudo realizado com base em estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 55 milhões de abortos ocorreram entre 2010 e 2014 no mundo, sendo 45% destes considerados abortos inseguros.
No Brasil, dados sobre aborto e suas complicações são incompletos e de 2006 a 2015, foram encontrados 770 óbitos maternos com causa básica de aborto no SIM( Sistema de Informações sobre Mortalidade) onde são encontradas as causas de mortalidade materna. Segundo a pesquisa, o total de mortes maternas demonstra ainda a desigualdade racial no país: o número de mulheres negras mortas é quase 50% maior.
E onde estão os dados das mulheres lésbicas grávidas vítimas do estupro corretivo e homens trans sobreviventes da violência sexual ?
A urgência do debate sobre os riscos do aborto inseguro e da descriminalização do aborto para mulheres periféricas.
A violência estrutural que enfrentam, a discriminação racial e social, aliada à falta de políticas públicas efetivas de combate à violência de gênero, contribui para a perpetuação de um ciclo de vulnerabilidade e exclusão. Essa realidade se reflete no acesso limitado a direitos básicos, como o direito à saúde e à autonomia reprodutiva.
Camila Pedro, integrante do Coletivo juntas, um dos movimentos sociais presentes no ato, concedeu uma entrevista e trocou uma idéia sobre a importância da mobilização e da legalização do aborto seguro no recorte para mulheres negras:
“Essa não era uma pauta que fazia parte das discussões das políticas públicas e levantou a questão do número de mulheres negras mortas em abortos clandestinos e inseguros,e que com a mudança de governo, é um passo muito importante e que declaração do voto favorável da Ministra Rosa Weber pode mudar a realidade atual”, diz.
Outra entrevistada deu seu relato sobre seu parto e a violência obstétrica sofrida, ela afirmou que não pensa em ter outro filho devido a traumas gerados com falas racistas durante seu parto e sua dor. E durante a entrevista um opositor contrário aos discursos das mulheres proferiu declarações machistas e contra a luta pela descriminalização e legalização do aborto.
Em outra entrevista, uma manifestante, que preferiu não divulgar seu nome, destacou que essa é uma questão de saúde, e não de crime. e reforçou que o que mata não é o aborto, é a clandestinidade e enfatizou que enquanto a luta das mulheres é pelo direito de escolha sobre seus corpos, uma realidade segue sendo silenciada: o abandono paterno e a falta de responsabilidade dos homens que abandonam e seguem suas vidas sem julgamentos e com segurança, as mulheres seguem enfrentando estigmas e dificuldades para exercer seu direito de escolha.Inclusive de homens que obrigam mulheres a abortarem.
O reconhecimento paterno pode ser realizado em qualquer cartório de forma gratuita na localidade de nascimento do recém-nascido. E mesmo sendo de forma gratuita e sem burocracias para o registro, no primeiro semestre de 2022, mais de 100 mil crianças ficaram sem registros. E a cada 7 em cada 10 mulheres no Brasil, são mães solo, com um crescimento de 17% na última década, passando de 9,6 milhões em 2021 para mais de 11 milhões em 2022 segundo dados do IBGE. E 7 em cada 10 mulheres já realizaram o aborto no Brasil e mais de 5 milhões de brasileiros não possuem o nome do pai na certidão de nascimento e são as mulheres, jovens, negras, pobre, periféricas e indígenas que seguem com seus direitos violados.
A realidade do aborto criminalizado é um retrato e um reforço das desigualdades de sexo, raça, classe e território que mostram a dura realidade da criminalização que reforça a lógica das desigualdades sociais no Brasil, na medida em que as mulheres pobres e negras são as mais prejudicadas, as que mais morrem fruto de abortamentos inseguros, enquanto mulheres brancas e da alta classe estão buscando clínicas mesmo que de forma clandestina e que esse direito seja escolhido e decido por nós.

Juliana Neris
Jornalista