Nos dias 2 e 3 de agosto, o Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), localizado na Praia Vermelha, recebeu mais de 160 candidatas para concorrer às 100 vagas do processo seletivo para o programa de bolsas de pesquisa da RAAVE (Rede de Atenção a Pessoas Atingidas pela Violência de Estado). O programa que visa ampliar o acesso a cuidados terapêuticos gratuitos, especialmente para aqueles que tiveram seus direitos violados ou vivem em situação de vulnerabilidade social, é fruto de uma parceria entre sociedade civil, universidade pública e Defensoria Pública.
A RAAVE, em colaboração com a Secretaria Nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e o Instituto de Psicologia da UFRJ, propõe não apenas o acolhimento de mães que perderam seus filhos, mas também o desenvolvimento de políticas públicas externas para famílias afetadas pela violência do Estado. Durante o processo seletivo, que ocorreu das 8h às 17h em ambos os dias, a seleção foi organizada como um verdadeiro “mutirão”. Segundo Guilherme Pimentel, ex-ouvidor da Defensoria Pública e um dos responsáveis pela coordenação da seleção, as entrevistas foram na base da oralidade, levando-se em consideração o saber não institucionalizado de parte das candidatas.
As mães selecionadas para o programa de bolsas de pesquisa participarão de um curso que pode durar até dois anos. Durante esse período, eles realizarão pesquisas em seus territórios e participarão de workshops mensais. Além disso, colaborarão com pesquisas de doutorado e mestrado de alunos de psicologia. De acordo com Mariana Mollica, coordenadora do TED, doze grupos clínico-políticos de diversas universidades e da sociedade civil, compostos por psicólogos e psicanalistas, estarão envolvidos no programa, como as mães que ocupam o centro de produção de conhecimento. As participantes também terão a oportunidade de ministrar palestras e produzir seus próprios textos.
Os doze grupos clínico-políticos de várias universidades e da sociedade civil de psicólogos e psicanalistas, tendo as mães no centro deste conhecimento, terão atendimento individuais e coletivos, pensando junto dos profissionais de psicologia e psicanálise, sobre como este acolhimento pode se dá, evidentemente produzindo uma mudança na visão que a própria universidade tem dessa questão da violência de Estado. Elas também estarão ocupando outros espaços dentro da universidade, onde poderão dar palestras, e ser autoras de seus próprios textos de produção acadêmica.
Para Dejany Ferreira, psicóloga Coordenadora Técnica da RAAVE, além do desenvolvimento de uma proposta de política pública para famílias afetadas pela violência de Estado, a proposta é de uma ampliação de parcerias com a sociedade civil, os próprios ministérios da justiça, do desenvolvimento social e interação com outros ministérios de direitos humanos, da mulher, da igualdade racial para estarem com estas mulheres para a execução do trabalho fazendo a nacionalização da discussão.
Ela falou também sobre a excursão dessas mães para a nacionalização juntos da equipe com os grupos clínicos, com a equipe técnica para dialogar junto de outras mães de outros territórios com as universidades públicas e grupos clínicos que estejam fazendo este trabalho a fim de ganhar a sociedade num lugar de percepção de qual é a consequência, porque o que fica no geral para sociedade é um rosto de um homem negro e periférico que em geral é estigmatizado naquele lugar, mas agora a fala deste homem será com um rosto dessa mãe e com toda história dele.
Durante o processo de entrevistas e seleção, Mônica Cunha, vereadora e candidata à reeleição no Rio de Janeiro, compareceu ao local e de forma emocionante manifestou sua alegria pela implementação das bolsas de pesquisa.
Vale ressaltar que em sua trajetória, a Vereadora se tornou ativista após o brutal assassinato de um de seus três filhos, Rafael, de 20 anos em dezembro de 2006, em Riachuelo por policiais. Em seu mandato, com muita luta em memória de seu filho, Mônica, dentre muitos feitos criou a Lei da Semana Municipal em Memória das Vítimas de Violência Armada e o Programa Municipal de Atenção Psicossocial às Vítimas de Violência Armada.
“Eu estou muito emocionada com essa iniciativa da RAAVE de fato acontecendo, ela deixou de ser um pensamento, um querer e veio para prática. E a gente vê a institucionalidade, alunos nos enxergando, nos vendo de verdade, priorizando junto com a gente. Incentivando nossas falas, credibilizando o que a gente fala há mais de 30 anos. Porque assim, não sou eu e nem as que estão aí as primeiras. O primeiro movimento existente de mulheres vítimas deste Estado são as mães de Acari, que a 34 anos vem dizendo para não matarem os nossos filhos, nos deixem viver. Não queremos ser invisíveis, nós sabemos o que nos mata, é o racismo. A RAAVE chegou para credibilizar todas essas palavras, a gente vai virar pesquisadora das universidades, a gente vai tá falando para os filhos dos bacanas que eles estão sentados ali onde nossos filhos também poderiam e dizer para eles o porquê dos nossos filhos não estarem ali sentados. Porque o privilégio que trouxeram eles até ali, tiraram a vida dos nossos” concluiu.
As candidatas que pleiteiam as 100 vagas ofertadas, tomarão posse no dia 16/08, com evento de recepção e em setembro, acontecerá uma grande recepção com presença de familiares, entidades políticas e representantes de ministérios.
Pedro Vinícius Lobo
Jornalista