No último domingo (5), a atriz Fernanda Torres fez história ao vencer o Globo de Ouro na categoria Melhor Atriz de Drama pelo filme ‘Ainda Estou Aqui’ de Walter Salles, desbancando nomes como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Tilda Swinton.
Fernanda Torres é a primeira atriz brasileira a ganhar na categoria, mas não a primeira a concorrer — 25 anos atrás, sua mãe, Fernanda Montenegro, concorreu por seu papel em ‘Central do Brasil’, também dirigido por Walter Salles.
SUCESSO DE BILHETERIA
“Ainda Estou Aqui” se tornou um sucesso de bilheteria e crítica, atraindo mais de 3 milhões de pessoas para as salas de cinema desde o começo de novembro. Após a vitória da atriz no prêmio estadunidense, o filme teve 33% de aumento do público.
Com mais de 3,08 milhões de espectadores, o longa ultrapassou a bilheteria total de ‘Cidade de Deus’, e se tornou o filme brasileiro com maior público após a pandemia.
O filme não se tornou apenas um fenômeno de bilheteria, mas também midiático. Em novembro, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas — responsável pela premiação do Oscar — postou uma foto de Fernanda Torres nas redes sociais e, em pouco mais de duas horas, a publicação já tinha 100 mil curtidas e 20 mil comentários. Os números só subiram: até o momento da publicação deste texto, a postagem tinha 2,9 milhões de curtidas.
O sucesso do filme nas bilheterias e a torcida dos brasileiros por uma vitória nas grandes premiações internacionais não andam dissociadas: desde o lançamento e a repercussão internacional, o filme tem crescido cada vez mais na cabeça do povo brasileiro. As chances de um possível Oscar inédito, tanto para o filme quanto para a atriz, cria uma energia de “Copa do Mundo” que alavanca o filme no mundo inteiro.
‘AINDA ESTOU AQUI’ — UMA HISTÓRIA REAL
O filme retrata a história da família Paiva, durante o período em que o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) foi preso, torturado e assassinado pela ditadura militar nos anos 70. Com Eunice Paiva (Fernanda Torres) no centro da trama, acompanhamos as dores de uma mãe no meio da incerteza e insegurança durante o regime militar.
Baseado na história real, retratada em 2015 no livro de mesmo nome, escrito por Marcelo Rubens Paiva, — filho de Rubens e Eunice — o filme serve não só como um retrato de um período que se passou, mas um alerta para os perigos ainda presentes.
Enquanto o filme estreava nos cinemas de todo o Brasil em novembro do ano passado, o país viu em todos os jornais as notícias sobre o envolvimento de militares numa nova tentativa de golpe, após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.
As relações entre Jair Bolsonaro e o destino trágico da família Paiva não param por aí: Na década de 1990, o então deputado negava no plenário da Câmara o assassinato de ex-deputados por militares e contrariava as investigações da Comissão Nacional da Verdade. Durante a inauguração de um busto em homenagem a ele, o ex-presidente teria cuspido na estátua, chamando-o de “comunista” e “vagabundo”. O ataque foi relatado nas redes sociais por Chico Paiva Avelino, neto de Rubens.
Enquanto Marcelo Paiva escrevia seu livro, a Comissão Nacional da Verdade foi lançada no Brasil pela então presidente Dilma Rousseff — que havia sido presa e torturada durante o regime militar — para investigar os crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura. Foi graças a esse relatório, publicado em 2014, que Rubens Paiva foi confirmado como uma das 434 pessoas mortas ou desaparecidas pelo regime militar, enquanto dezenas de milhares de outras foram torturadas.
“Percebi que minha mãe estava perdendo a memória enquanto o Brasil discutia sua própria memória”, disse Marcelo à revista TIME. “Foi um paralelo muito estranho de se escrever.”
O sucesso do filme nas bilheterias e no cenário cinematográfico internacional não é só uma vitória para o cinema brasileiro, mas funciona como a manutenção de uma história marcada por opressão e violência. O destino de Rubens e de muitas outras vítimas do regime militar ganha luz sob uma nova derrocada da extrema-direita no poder ao redor do mundo.
Para além dos prêmios, ter um filme brasileiro, sendo sucesso de bilheteria e crítica dentro e fora do país, já é uma vitória em si.
No dia 10 de março, acontece a 97ª cerimônia do Oscar, em Los Angeles, e o Brasil tem chances reais de receber nomeações nas categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz — em ambas as categorias, a última vez que o Brasil teve indicações foi em 1999, com ‘Central do Brasil’, também de Walter Salles, e com indicação a Fernanda Montenegro.
O caminho até o grande prêmio do cinema de Hollywood e internacional ainda é longo, e a ausência de Fernanda Torres em prêmios como o BAFTA (Oscar Britânico) e SAG Awards (Prêmio do Sindicato dos Atores de Hollywood), mas o Brasil nunca esteve tão perto de concorrer — e levar — a estatueta dourada.