Com 5997 votos, Patrícia Félix, uma mulher preta, nascida na Vila Vintém, localizada em Padre Miguel, na zona oeste do Rio de Janeiro, foi eleita a conselheira tutelar. Ela é a conselheira mais votada da história do país, entre as 19 unidades da cidade do Rio, e seu mandato vai de 2024 a 2027.
A eleição para o conselho tutelar é muito importante para que os direitos da criança e do adolescente sejam respeitados, e é papel do conselheiro garantir acesso à educação, investigar denúncias, garantir acesso à saúde, entre outros. Ou seja, no dia-a-dia o conselheiro trabalha ouvindo a população e investiga se esses direitos estão sendo violados.
Patrícia Félix, divide a construção da sua caminhada nos seguintes pontos:
“1- Levar informação para população com trabalho e principalmente respeito.
2- Acreditar que nossas crianças e adolescentes merecem o melhor de todos sem discriminação.
3- Estudo e formação contínua para aprimoramento de minhas competências.
4- Transparência na atuação do serviço público de relevância social, que exige do Conselheiro Tutelar em atuação.
5- Ter fé na vida e nas pessoas.
6- Acreditar que a luta é coletiva, sabendo que as mudanças e melhorias virão pelas organizações da sociedade civil
7- Ter coragem”, disse.
Ela bateu o seu próprio recorde de 2019, onde foi eleita com 4639 votos. Formada em pedagogia e direito, seu primeiro contato com a militância foi aos 15 anos quando começou a atuar na educação popular através do movimento de base, onde participava de projetos que desenvolviam atividades recreativas com crianças na favela.
Depois passou a ser ativista dos direitos humanos e aos 16 anos precisou interromper os estudos para trabalhar como empregada doméstica:
“Eu estava decidida a não parar, queria evitar a sina de ser empregada doméstica. Minha mãe foi, minhas irmãs também, então retomei os estudos aos 19 anos e aos 23 concluí o ensino médio e tive minha primeira filha, Marília. No final do ano seguinte nasceu o meu segundo filho, Arthur.”, conta.
Ela foi a primeira pessoa da família a entrar na universidade. Entre os anos de 1994 a 2000 foi educadora social na Associação Beneficente São Martinho, e em 1999 começou a dar palestras sobre o seu trabalho com crianças e adolescentes em países como: Bélgica e Itália. E em 2001 fundou o projeto “Liberdade”, que até hoje desenvolve atividades na vila vintém e outras favelas da zona oeste do Rio.
“Ao longo dos últimos 30 anos me dediquei à educação social e à luta pelos direitos da criança e do adolescente. Acredito que se eu ajudo a mudar a vida de um jovem essa luta já valeu à pena”
Além disso, desde 2017 Patrícia é coordenadora da Rede Emancipa de Educação Popular no Rio de Janeiro, é integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro, e diretora do Instituto David Miranda e do Portal Favelas.
“Quando se é negro, principalmente quando se é uma mulher negra, nada nunca é fácil. Toda vez que você avança, a sensação é que os objetivos ficam mais distantes. Para mim sempre foi assim! A única certeza que eu tinha era de que eu não podia parar”, finaliza.
Veja a história de Patrícia Félix: https://www.facebook.com/PatriciaFelixCTRJ/videos/349157042902912/?extid=CL-UNK-UNK-UNK-AN_GK0T-GK1C&mibextid=Nif5oz
Acompanhe nas Redes Sociais: https://instagram.com/patriciafelixrj?igshid=MzRlODBiNWFlZA==
Entenda a importância de uma mulher negra ocupar o Conselho Tutelar:
Após o aumento do interesse das igrejas neopentecostais concorrerem ao conselho tutelar, a preocupação para que o direito dos jovens seja mantido aumentou. Isso porque não se pode misturar religião e interesse pessoal. A orientação do conselheiro tutelar deve estar pautada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que foi criado em 1990, com o objetivo de garantir a proteção integral à população de 0 a 17 anos. Nele, fica afirmada a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado e favorecer condições de pleno desenvolvimento fisico, mental, moral, espiritual e social dessa população, sem nenhum tipo de discriminação, preconceito, exploração ou violência.
A questão não reside na religião em si, mas sim no uso extremamente violento e preconceituoso que alguns líderes religiosos têm feito por motivos políticos. Isso não se limita apenas aos neopentecostais; a ala ultraconservadora da Igreja Católica também tem se aliado a essa onda extremista no Brasil, como evidenciado pelo caso de Cláudio Castro.
Com o aparato da Universal, muitos candidatos neopentecostais entraram na disputa para conseguir o máximo de vagas no Conselho Tutelar. No Rio de Janeiro, 65% dos conselheiros que tomaram posse em 2020 são ligados a denominações neopentecostais, segundo levantamento feito pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e desde então, esse número só tem crescido. O aparelhamento das organizações religiosas com a finalidade política de eleger seus representantes é poderoso, e busca impor seus próprios valores na condução do Conselho Tutelar – valores esses retrógrados e contrários ao que o ECA defende.
A ação de conselheiros tutelares ligados a grupos religiosos radicais entrou em evidência alguns anos atrás. Em agosto de 2020, uma menina de 10 anos engravidou após ser estuprada pelo companheiro de uma tia na cidade de São Miguel, no Espírito Santo. Em situações como esta a legislação brasileira garante o acesso ao aborto legal e seguro. Mas na época, a então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, intercedeu pessoalmente no caso, enviando emissários para o local na tentativa de impedir a família da vítima de realizar a interrupção da gestação, já autorizada pela Justiça. É por casos como esses, que é importante a ação de conselheiros tutelares aptos para lidar com esse tipo de situação, garantindo a saúde e o bem-estar dos jovens e adolescentes.
O Rio de Janeiro foi a quarta cidade que recebeu mais votos, ficando atrás de Brasília, São Paulo e Fortaleza. Entre os representantes escolhidos, 16 já se associaram à direita e estão ligados à religião evangélica, enquanto nove se identificam com a esquerda.
Além disso, tem acontecido resistência na implantação do Sistema de Informação para a Infância e a adolescência – SIPIA, que é um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Sipia tem uma saída de dados agregados em nível municipal, estadual e nacional e se constitui em uma base única nacional para formulação de políticas públicas no setor.
A base do Sipia-CT é o Conselho Tutelar, para o qual se dirigem de imediato as demandas sobre violação ou não atendimento aos direitos assegurados da criança e do adolescente. A resistência tem acontecido porque os conselheiros não podem fazer nada que está fora do ECA, ou seja, com a utilização do Sipia, essas regras não vão ser burladas.
Renata Dutra
Diretora de Jornalismo