O Portal Favelas conversou com a ativista Claudia Alexandre, Presidente da AFAPE – Associação de amigos e familiares de presos e egressos. Ela é moradora de Niterói, e trabalha com vítimas de violência, com a pacificação de comunidades unindo crianças, adultos e jovens, além de lutar contra todo tipo de atrocidade contra os povos pretos.
Ela comentou ainda sobre uma nota escrita pelo comandante do 12º Batalhão de Niterói “Eu tenho uma nota do Comandante do 12º Batalhão que diz o seguinte: eu vim para Niterói, mais precisamente para o 12º Batalhão para fazer história. Qual é a história que ele quer fazer aqui? Ele quer ser o Comandante que mais extermina pessoas nas comunidades de Niterói. A fala dele diz que onde sua equipe entrar e tiver 3, 4 ou 5 pessoas conversando em grupo, atire para matar. Eu rapidamente entrei no circuito. Como assim? Como assim atira para matar? Ninguém pode conversar? O direito de ir e vir acabou? Vocês têm o direito de cercear a vida? Vocês têm o direito de fazer as pessoas abdicarem do seu próprio direito? Vocês criaram o extermínio? É isso? Está escancarado desse jeito? Vocês não podem entrar na comunidade matando, são vidas, são pessoas. Quais são os critérios que vocês usam para exterminar? Isso está bem claro, isso está sendo demandado por alguém que tem poder maior que é o Governador. Eu não sei de que forma esse Governador ganhou depois de ter matado 28 no Jacaré, todos rendidos. Todos têm mãe, pai, família e tem filhos que estão chorando hoje”, disse a ativista se referindo a chacina que aconteceu na comunidade do Jacarezinho, em maio de 2021.
Claudia conta que ainda está à espera do retorno desse convite para ela ir. Ela aguarda sabendo que não vai sozinha, e sim com lideranças e advogadas e espera que seja uma conversa amistosa, porque quer explicações pelas múltiplas mortes que estão acontecendo em 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro. “Ele caiu do céu no lugar de um outro maluco que fez menção de glória, porque matou uma pessoa dentro do ônibus com problemas psicológicos em Niterói. Esse cara saiu do governo e deixou um desequilibrado mais desequilibrado ainda do que ele. As falas do Claudio Castro são bonitinhas para elite, para favela e comunidade é para matar. Essa ordem. Então isso é uma lógica que não cabe na minha cabeça, não entra. Eu sou liderança e só luto pelo direito da vida, direito de igualdade que é uma mentira que a sociedade nos trata desta maneira. Os povos de favelas têm direito à educação, à cultura, a ir e vir. Mas isso não é dado, não tem direito igualitário, é uma mentira. O direito não existe para quem é de favela. É uma luta muito grande das mães e dos pais para fazer acontecer, mas o governo não faz o que ele tem que fazer, que é o papel de gestor, de bom gestor para que a comunidade funcione de fato. Quem faz esse balanço somos nós lideranças, são dois pesos e duas medidas. A gente pede, vende, troca para ter melhoras e melhorias nas comunidades” diz.
Segundo a ativista, Niterói está se tornando o epicentro de assassinato de pessoas pretas, como se não houvesse o amanhã. Recentemente, Claudia perdeu seu genro Matheus Bruno, ele era um jovem de 23 anos, trabalhador, fazia websérie e tomava conta de pet em Icaraí. Com bastante carinho, Claudia traz a memória do quanto o jovem era cheio de ideias e com um futuro pela frente. Matheus estava caminhando numa rua da Engenhoca, para ir para casa quando foi assassinado pela Polícia Militar com 3 tiros.
“Ele era negro e morreu nada mais nada menos pelo racismo estrutural. Julgado e subjugado. Obviamente a morte dele não ficaria impune por ser meu genro, sou ativista, sou uma mulher preta, de pele clara, mas sou preta. Sou neta de escrava, neta de português, filha de uma mulher negra e de pai branco. Sou negra, não sou branca! Obviamente eu não iria deixar barato. Eu fui para mídia, acionei todos os jornais e televisões”, explica Claudia.
A ativista também é servidora pública, em Niterói e comenta sobre o aumento da violência nas comunidades da região “Estou sempre pronta a ajudar a comunidade, nossos povos. E quem são nossos povos? Nossos povos são filhos de mulheres mães solo, mulheres empregadas domésticas, mulheres que trabalham em lojas, que trabalham em supermercado, que saem para fazer faxina e ao voltar para casa, encontrar seu filho com sangue jorrado no chão? Eu fiz várias passeatas, várias manifestações que não se tornaram só pelo Matheus Bruno, foi por todas as vítimas de violência. Antes do Matheus Bruno tivemos o garoto Yago, trabalhador que vendia bala, alvejado com um tiro no peito e caiu na hora no chão nas barcas de Niterói. Um vendedor de bala. Antes do Yago tivemos a morte de um menino jogador, com a chuteira nas costas descendo o morro da Garganta em Niterói. Levou um tiro nas costas porque o policial confundiu com um fuzil”, disse.
Claudia também relembra outras brutais e cruéis mortes como a chacina de Vigário Geral, com 21 mortos. Todos, povos pretos. Além dos meninos da Candelária, também assassinados. Além deles, também teve morte de Claudia da Silva, arrastada a quilômetros por um carro da polícia. “Nada essa mulher fez. Uma mulher doméstica, negra. Ela não fez nada, uma dona de casa. O que ela fez para morrer daquela maneira? ”, pergunta.
“Queremos o uso das câmeras nos uniformes e nos carros da polícia ao entrar nas comunidades. Porque já tinha a lei, mas não era cumprido. Agora a AFAPE exigiu que o Governador pusesse as câmeras nos informes e nos carros quando os agentes, ao entrar nas comunidades, estejam com as câmeras ligadas, tanto no carro quanto nos uniformes. Foi um avanço, porque eu fiz muitas passeatas e faço muito movimento lá nas barcas de Niterói”, comenta Claudia.
Para Claudia o convite pode ter sido uma espécie de ‘cala boca’, por parte do governador “Eu acredito que ele me chamou para calar a boca, para fazer alguma proposta, é isso que eles costumam fazer. Não tem como aceitar proposta de governo que comete coisas errôneas de tal maneira que eu não vou aceitar, sou de comunidade e além de ser comunidade, sou vítima de violência três vezes. O Estado me matou três vezes, uma filha de 15 anos, um filho de 14 e meu genro de 23. Se eu sou suspeita, culpado é o Estado, se alguém é suspeito, culpado é o Estado. Não tem mais ninguém culpado que isso. A sociedade entende que deve haver uma limpeza de pessoas, a instituição entende que as pessoas têm direito de ir e vir, de estudar, crescer, viver e construir família. Ninguém tem direito de tirar a vida de ninguém, não somos bichos nem somos animais, mas o que está acontecendo no nosso país é isso”, finaliza Claudia.
Segundo dados do Geni – Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, o governo Cláudio Castro tem três das cinco chacinas policiais mais letais da história do Rio de Janeiro, que são:
● Jacarezinho: maio de 2021 com 28 mortos (incluindo um policial);
● Complexo da Penha (Vila Cruzeiro): maio de 2022 com 24 mortos;
● Vila Operária (Duque de Caxias): janeiro de 1998 com 23 mortos;
● Complexo do Alemão: junho de 2007 com 19 mortos;
● Complexo do Alemão: julho de 2022 com 17 mortos (incluindo um policial).
Pedro Vinícius Lobo
Jornalista